quinta-feira, 28 de junho de 2007

Metáfora do Maracujá

«A metáfora que pode ser transposta para um maracujá qualquer – uma mulher de trabalho, com filhos, com problemas e desequilíbrios. Um fruto por amadurecer, que depois de maduro não dá em nada. Falta-lhe uma boca boa para trincar, uma vida para amar – circular, endémico, doentio e palpável. Os maracujás, pendurados no galho como se estivessem debruçados no parapeito das varandas-quase-corredores, típicos de uma época de arquitecturas arriscadas e de injustiças para lá de arriscadas, nascem, desenvolvem-se, reproduzem-se e morrem.
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(Jamélia, ao olhar anos a fio para aquelas bolas que parecem rostos – marcadas com buracos de acne e covas de expressão, marcas da vida e das sementes que fizeram crescer outras sementes e outros rostos – via elementos que só ela descortinava. Só uma mulher poderia engendrar uma cidade tal qual um fruto, uma vida. Instintivamente, Jamélia sabia que havia uma ressalva: ao contrário das vidas de nós todos, as cidades, esta cidade, esta Luanda-maracujá, não pode morrer, nunca.)»
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Estes são os dois últimos parágrafos do texto Luanda-maracujá, de Miguel Gomes, cuja leitura aconselho vivamente.

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